sábado, 1 de dezembro de 2007

“Carta de uma respiração”



“Carta de uma respiração”


São Paulo, 20 de Janeiro de 2002 – Senhor Souza Cruz, venho em defesa da saúde minha e de meu proprietário, reclamar do senhor, que há anos vicia meu dono com seus produtos, graças às químicas colocadas nestes e a esse seu monopólio no comércio. Controlando quase todas as marcas importantes de cigarro no Brasil.

Pois bem, sou eu sim, o pulmão, nem o direito, nem o esquerdo, mas sim o conjunto, pois sou os dois, que juntos proporcionariam uma boa vida para o meu proprietário (claro que sem o senhor, nem essa poluição aérea imensurável seria muito mais fácil). Mas o caso é que meu dono está difícil de suportar, já não tenho mais a mesma potência, muito menos força para render bem, quase impotente. Sinto-me mais enrugado, sujo, fedido, pesado, menor e, o pior, de uns meses para cá, reparei uma coisa estranha em mim, tenho certeza que é um câncer ou tumor. O problema é que o homem ainda nem sabe. Eu provoco mais tossidas para ver se ele percebe, mas nada, nem consulta marcou ainda.

O que eu não gosto é ter que “inalar” esse ar e ter de espalhá-lo para o resto desse corpo, porque é praticamente como se eu fosse o culpado, pois sou quem dissemina essa sujeira para tudo quanto é parte interna, e quem é culpado, na realidade, é o senhor, seu Cruz.

Seus produtos, senhor, viciaram meu dono, afetando até o cérebro, que é quem rege as coisas aqui dentro, pelo menos a grande maioria das informações passam por ele, acho até que é mais importante do que você, “você” sim, pois uma coisa que só quer as desgraças dos outros não merece ser chamado de senhor. E o que mais me irrita é você saber que causa males, viciados e vícios, mas mesmo assim multiplica os usuários, e recebe uma fortuna por isso.

Por acaso não teria uma maneira diferente e saudável de você ganhar dinheiro, não? Perceba que, além do fumo, há a poluição aérea desta cidade maltratada, então, por que não se empenhar em algo do ramo do meio ambiente, que precisa de uma bela melhora e, ao contrário do que está acostumado a fazer, poderia salvar vidas, já pensou? Todo esse dinheiro do lucro de criação de cânceres ser investido num bem público voltado para a saúde, que diferença não?! Pois, já que o interesse é dinheiro (bem-estar é que não, certo?), na área ambiental desta cidade é que não irá lhe faltar.

Estou desesperado e necessito de ar puro, mas difícil conseguir isso numa cidade em que todos a poluem. Meu dono já falou várias vezes que precisava de ar fresco, mas era só ilusão, tanto minha quanto dele, pois, ao falar isso, ele saia do prédio ou ia para a janela mais próxima, e daí é que me frustrava, pois o ar desta metrópole não é nada fresco.

Quero que preste bastante atenção: não gosto do seu jeito de vida e acho que deveria mudar, é um absurdo viver de acelerar a morte dos vivos, gerando doenças. Gostaria de não só eu e meu dono, como toda a humanidade, termos uma vida sadia, e um fim nessa coisa imoral de gerar dinheiro legalizado de uma coisa que tem no próprio nome sua melhor descrição, é uma droga.

Grato pela atenção dada, o pulmão de um portador de câncer, que nem desconfia tê-lo.

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